Produção industrial substitui importações durante a pandemia

05/04/2021

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A partir de meados de 2020, com o choque da pandemia já instalado em todo o mundo, a relação entre o crescimento da produção industrial e o aumento das importações sofreu uma inversão de trajetória no Brasil. Em outros termos, a demanda interna passou a ser mais atendida pela produção doméstica e menos pelas importações.

O pesquisador associado do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), Livio Ribeiro, diz que ainda é muito cedo para dizer se esse movimento será duradouro e quais os fatores preponderantes para essa inversão.

As hipóteses são muitas e vão desde a necessidade de recomposição dos estoques domésticos em um período de desorganização das cadeias de abastecimento até uma reação atrasada à depreciação da taxa de câmbio. É possível ainda que as empresas tenham definido um limite para a desvalorização da moeda para que decidissem fazer essa substituição na produção.

“Com a conjuntura global confusa, pode ser que o industrial brasileiro tenha decidido ficar mais autárquico, ou seja, ficar menos dependente de produtos importados porque não tem confiança de quando esses produtos vão chegar e a qual preço”, afirma Ribeiro.

“Não consigo dizer hoje qual o fator preponderante. Mas é um fato. Você passou os últimos anos sem que nada acontecesse [diante da desvalorização da moeda] e nos últimos seis a nove meses, aconteceu”.

Ribeiro analisou a depreciação da moeda a partir de janeiro de 2018. A taxa de câmbio estava, então, em R$ 3,21. De lá para cá, a desvalorização do real ante ao dólar ficou entre 50% e 70%.

“Seria de se esperar um aumento muito grande das exportações e queda nas importações, mas o que se viu foi uma reação decepcionante das variáveis do setor externo.”

A mudança só aparece a partir do segundo semestre do ano passado, com a indústria de transformação acelerando em relação às importações, especialmente na produção de bens de consumo duráveis e bens de capital.

O economista-chefe da CNI (Confederação Nacional das Indústrias), Renato da Fonseca, concorda que ainda é cedo para avaliar o quão duradoura é essa substituição. Na avaliação dele, as indústrias respondem rapidamente o aumento de preços e estão permanentemente de olho no câmbio.

Isso deve-se principalmente à dependência de componentes importados, que entre a década de 1990 e 2012, quase dobrou. “É possível que isso esteja acontecendo pela desestruturação das cadeias, que os leva procurar substitutos domésticos”, diz.

Nem todos os setores, porém, conseguem encontrar oferta no mercado interno –como é o caso dos semicondutores usados nos automóveis. “Se tem oferta doméstica, como fios e tecido, a empresa compra, mas ela também não quer perder fornecedor, fazer esse tipo de troca não é trivial”.

 

 

Melhores resultados em 2021

 

Os dez setores com melhor geração de vagas

 

Saldo de empregos na indústria por região

 

Nos dois primeiros meses deste ano, a indústria brasileira abriu 185,2 mil postos de trabalho. O saldo de 2020 também foi positivo em 90,1 mil colocações. Para o economista da CNI, as novas medidas de restrição à circulação de pessoas para conter a piora da pandemia devem interromper o bom resultado.

“Sabemos que março e talvez abril já não sejam positivos. Hoje estamos em outra realidade. O ciclo de demanda aquecida e retomada em toda a cadeia foi interrompido. Quando a produção for retomada, a melhora no emprego ainda levará um ou dois meses para aparecer”.

Em Santa Catarina, a diversidade de segmentos industriais garantiu ao estado o melhor saldo de vagas formais em 2020. Dos 50,3 mil empregos criados no ano passado, quase metade veio da indústria.

Para o presidente da Fiesc (Federação das Indústrias de Santa Catarina), Mario Cezar de Aguiar, a mudança no perfil de consumo em decorrência das medidas de controle da pandemia favoreceram cadeias de produção que são fortes no Brasil, como a produção de móveis e produtos de madeira.

“Nos segmentos voltados para o ambiente doméstico, houve um incremento. Nunca se vendeu tantos móveis e eletrodomésticos como na pandemia, produtos que são muito fortes, que a gente produz”, afirma.

Na avaliação dele, houve um movimento de valorização ao produto doméstico, uma vez que os importados ficaram muito caros. “As pessoas estão ficando mais conscientes de que essa dependência de produtos asiáticos não faz bem para a economia. Vimos valorização e substituição no consumo doméstico, áreas que a indústria brasileira tem condições de atender”.

Na região de Blumenau, muitas importações foram suspensas no ano passado, segundo o diretor-executivo do Sintex (Sindicato das Indústria de Fiação, Tecelagem e do Vestuário), Renato Valim.

Além do câmbio desvalorizando, houve aumento dos preços em dólar e dos fretes. Outros insumos, como produtos químicos, também ficaram até 30% mais caros.

“Essas compras demoram, tem um ‘transit time’ [tempo de tráfego] complicado, leva quase quatro meses para chegar. Muitas empresas preferiram segurar um tanto as importações”, diz

Somados os meses de janeiro e fevereiro, o volume de importações no setor têxtil está 9% menor neste ano, na comparação com o ano passado, segundo levantamento do Sintex, com base em dados do Ministério da Economia.

A redução nas compras externas afetam principalmente tecidos sintéticos, como poliéster e poliamida. “Para muitos, o jeito foi buscar opções no mercado interno”. O trabalho agora, segundo ele, tem sido o de apelo pela valorização do produto brasileiro.

Para a Abimóvel (Associação da Indústria do Mobiliário), o momento é favorável ao fortalecimento da indústria nacional. Maristela Cusin Longhi, presidente da entidade, diz que a valorização do produto nacional pode ser uma alternativa economicamente sustentável para “vencer a supervalorização do frete internacional e a variação cambial desfavorável para a importação”.

Na próxima semana, Abimóvel e entidades da indústria têxtil de couros estarão juntas em um evento para conectar compradores e fornecedores nacionais. A proposta, segundo Maristela, é encurtar distâncias, “movimentando negócios em escala local”.

 

Por Fernanda Brigatti para Folha de S. Paulo.

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